"(...) a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas."
"A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. Por isto, discriminamos o comportamento desviante."
A obra “Cultura: um conceito antropológico”, de Roque
de Barros Laraia, pretende apresentar ao leitor o conceito antropológico de
cultura de forma didática, clara e simples. O livro é dividido em duas partes:
a primeira “Da natureza da cultura ou da natureza à cultura”, é composta por
seis capítulos, e a segunda “Como opera a cultura”, é composta por cinco
capítulos.
Na primeira parte, o autor apresenta
o conceito cultura a partir das manifestações iluministas caminhando até os
autores modernos. Na segunda parte, o autor procura demonstrar como a cultura
influencia o comportamento social e diversifica, enormemente, a humanidade,
apesar de sua comprovada unidade biológica.
No primeiro capítulo, “O determinismo biológico”, Laraia
contrapõe teorias que atribuem capacidades específicas inatas a “raças” ou a
outros grupos humanos. A capacidade de aprender e a sua plasticidade são
fatores inerentes aos seres humanos e tiveram papel preponderante na sua
evolução. O comportamento de um indivíduo é fruto de um aprendizado, de um
processo chamado endoculturação, ou
seja, o indivíduo não age diferentemente em função de suas capacidades inatas,
mas em decorrência da educação que recebe.
O segundo capítulo, “O determinismo geográfico”, apresenta os
conceitos de Boas Wissler e Kroeber, que refutam as teorias desenvolvidas por
geógrafos no final do século XIX e início do século XX, que defendiam a ideia
de que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. Os
autores supracitados, no entanto, defendem que existe uma limitação na
influência geográfica sobre os fatores culturais, e que as diferenças entre os
homens não podem ser explicadas em termos das restrições que lhes são impostas
pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente. A grande qualidade da
espécie humana foi a de romper com as suas próprias limitações.
O capítulo três, “Antecedentes históricos do conceito de
cultura” analisa a origem da palavra “cultura”. A partir dos termos
germânico “Kultur” e do francês “civilization”. Edward Tylor sintetizou o
termo inglês “culture”, que inclui
conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
Laraia apresenta ainda, as definições de John Locke,
Marvin Harris e Jean – Jacques Rousseau percorrendo até Tylor e Kroeber, que
definem cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que
independe de uma transmissão genética, e afirmam, assim, que o homem é o único
ser possuidor de cultura. O capítulo traz a ideia de aprendizado da cultura em
oposição a ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos.
O quarto capítulo, intitulado “O desenvolvimento do conceito de cultura”, demonstra a partir do ponto de vista antropológico que a cultura pode ser objeto de um estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural. Ainda neste capítulo é apresentada a ideia de “relativismo cultural” explicitamente associada à de “evolução multilinear”. O capítulo aborda também a contribuição do antropólogo americano Kroeber, para a ampliação do conceito de cultura. No seu artigo “O superorgânico”, Kroeber apresenta o homem como um ser acima de suas limitações orgânicas e que foi capaz de criar seu próprio processo evolutivo. O homem é considerado, então, um ser cujos instintos foram “ofuscados”; seu comportamento não é determinado por sua herança genética, ou seja, é um ser predominantemente cultural, resultado do meio cultural em que foi socializado.
“Ideia
sobre a origem da cultura”, quinto capítulo da obra, parte dos estudos da
paleontologia humana e de antropólogos sociais contemporâneos para explicar
como o homem adquiriu este processo extra somático que o diferenciou de todos
os animais e lhe deu um lugar privilegiado na vida terrestre. O capítulo
apresenta a concepção de que “a natureza não age por saltos. O primata, (...)
não foi promovido da noite para o dia ao posto de homem” (p. 56). Assim, o
salto da natureza para a cultura foi contínuo e lento. Algumas explicações de
natureza física e social tendem a admitir que a cultura apareceu de repente,
num dado momento. Para alguns autores, o início do desenvolvimento do cérebro
humano se deu como consequência de algumas “capacidades” físicas desenvolvidas
pelo homem (vida arborícola, o bipedismo e a habilidade manual, possibilitada
pela posição ereta). Para a antropologia, a cultura surgiu no momento em que o
homem convencionou a primeira regra, a proibição do incesto (Lévi-Strauss),
além disso, a passagem do estado animal para o humano ocorreu quando o cérebro
do homem foi capaz de gerar símbolos (Leslie White). Para White, “é o exercício
da faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos que torna
possível a sua perpetuação. Sem o símbolo não haveria cultura, e o homem seria
apenas animal, não um ser humano” (p. 55).
No último capítulo da primeira parte
do livro, “Teorias modernas sobre cultura”,
Laraia apresenta a reconstrução do conceito de cultura pela antropologia
moderna. Roger Kessing refere-se a cultura, inicialmente, como sistema
adaptativo, ou seja, que serve para “adaptar” as comunidades humanas aos seus embasamentos
biológicos. Em seguida, Kessing refere-se as teorias idealistas de cultura,
subdividindo-as em três diferentes abordagens: cultura como sistema cognitivo,
cultura como sistemas estruturais e cultura como sistemas simbólicos. Laraia
encerra a primeira parte do livro indicando que a discussão não terminou, uma
vez que, “uma compreensão exata do conceito de cultura significa a compreensão
da própria natureza humana, tema perene da incansável reflexão humana” (p. 62).
A segunda parte do livro começa com
um capítulo intitulado “A cultura
condiciona a visão de mundo do homem”. Este apresenta a ideia de que “a
cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo” (Ruth Benedict),
em outras palavras, “o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e
valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais
são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, resultado da operação de
uma determinada cultura” (p. 68). O homem vê o mundo através de sua cultura e
tende a discriminar o comportamento
desviante, ou seja, o comportamento daqueles que agem fora dos padrões
aceitos pela maioria da comunidade. O homem tem a propensão em considerar o seu
modo de vida como o mais correto e o mais natural (etnocentrismo).
O capítulo de número dois, “A cultura interfere no plano biológico”
retrata a apatia como reação oposta
ao etnocentrismo. Os homens, em vez de superestimarem os valores de sua própria
sociedade, “abandonam a crença nesses valores e, consequentemente, perdem a
motivação que os mantêm unidos e vivos” (p. 75). Um exemplo disso, um campo que
vem sendo amplamente estudado: o das doenças psicossomáticas.
No terceiro capítulo, “Os indivíduos participam diferentemente de
sua cultura”, Laraia sugere que a participação do indivíduo em sua cultura
é sempre limitada (limitações de ordem cronológica ou cultural), ou seja,
nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os elementos de sua cultura.
Apesar dessa limitação é necessário que o indivíduo tenha um conhecimento
mínimo, a fim de permitir a sua articulação com os demais membros da sociedade.
O quarto capítulo, “A cultura tem uma lógica própria”,
apresenta a ideia de que todo sistema cultural tem a sua própria lógica e trata
como etnocentrismo o fato de tentar transferir a lógica de um sistema para
outro. Entender a lógica de um sistema cultural depende da compreensão das
categorias ou hábitos, constituídos pelo mesmo. Toda sociedade dispõe de um
sistema de classificação para o mundo natural. Esses sistemas divergem entre si”
porque a natureza não tem meios de determinar ao homem um só tipo de taxionomia.
O livro encerra com um capítulo
intitulado “A cultura é dinâmica”,
que atribui a cultura um caráter dinâmico. Existem dois tipos de mudança
cultural: a interna (resultante da dinâmica do próprio sistema cultural) e a
resultante do contato de um sistema cultural com outro. Enfim, cada sistema
cultural está sempre em mudança e entende-las é fundamental para atenuar o
choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Além disso, é
necessário entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema,
procedimento este que “prepara o homem para enfrentar serenamente este
constante e admirável mundo novo do porvir” (p. 101).
Em suma, a obra cumpre com a
proposta inicial que é a de introduzir o leitor o conceito antropológico de
cultura. O texto é de linguagem clara e acessível e repleto de exemplos que
ilustram os conceitos abordados na obra. O livro é leitura recomendada não
apenas aos estudantes de Ciências Sociais, mas para qualquer pessoa,
interessada em expandir seus conhecimentos sobre este objeto tão complexo, que
é a cultura.
muito bom!!!!
ResponderExcluirUm resumo muito bem elaborado.
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