Introdução
“(...) não basta hastear
novamente as velhas crenças; não é solução acreditar agora em seus contrários;
é necessário voltar sobre o que acreditávamos conhecer, questionar o óbvio,
voltar sem trégua sobre nosso senso comum.” (p. 11)
"O sujeito, aluno e professor, participa da estruturação da forma de conhecimento que se transmite na classe e nas relações que ali se estabelecem. O problema, então, fica assim formulado: a participação do sujeito na constituição da situação escolar e ao mesmo tempo a constituição do próprio sujeito por esta participação, mediado pelos conhecimentos escolares. A relação entre os sujeitos e o conhecimento se transformou no eixo principal de análise.” (p. 12)
Em geral, os alunos são considerados o elemento
subalterno da situação escolar. Da
perspectiva que considera a escola como aparelho ideológico do Estado, o
professor é o portador e o transmissor da ideologia dominante. É o professor
que realiza tarefa tão fundamental.
|
Perspectiva do aluno, como
sujeito. Recuperar a visão dos alunos da situação escolar, considerando-os,
tanto quanto os professores, sujeitos sociais.
|
O sujeito é
social desde que nasce, constitui-se sempre em relação a outros, mediado pelas
significações sociais de seu mundo. Se o sujeito se constitui no social desde
que nasce, não se pode considera-lo uma tabula
rasa, como se costuma fazer.
“(...) a ideia
de um sujeito que preexiste à sua história, à sua própria educação.” (p. 14)
“(...) supõe-se
também a ideia de um sujeito que é moldado pelo meio ao interiorizar a norma
naturalmente, sem oposição ou reelaboração alguma de sua parte. Recebe o que
lhe é transmitido na escola e se adapta aos valores e à cultura de uma dada
classe social, inculcados na escola
por intermédio da violência simbólica. Mistifica-se o poder da inculcação do
conteúdo, usualmente em seu caráter ideológico; e do sujeito criança como
tabula rasa passa-se a conceber o sujeito adulto como suporte de estruturas ou, no mesmo sentido, portador de uma ideologia. Estabelece-se uma relação dicotômica
entre sujeito e mundo e se atribui ao sujeito uma situação passiva nessa
relação.” (p. 14)
“O sujeito está
determinado por suas condições cotidianas de vida, pela classe à qual pertence,
pelo grupo imediato através da qual pertence a ela, pelo lugar que ocupa na
divisão do trabalho, por seu lugar na família e por sua história escolar...em
parte. Em parte, porque o sujeito também contribui para a constituição de todas
as situações. (p. 15)
“A superação da
alienação, por sua vez, não é um estado absoluto a que se chega de uma vez e
para sempre; é uma conquista permanente, e é desigual em relação às diferentes
dimensões do sujeito, como, por exemplo, a política, a pessoal, a de trabalho,
etc. Por fim isso nos leva a considerar que a identidade do sujeito é
multifacética e incoerente, e que os sujeitos são heterogêneos entre si, ainda
que pertençam ao mesmo grupo social e se considere que estão determinados pelas
mesmas estruturas.” (p. 15)
A situação
escolar está constituída de maneira importante pelos conhecimentos que nela
circulam: os que se transmitem e os que se constroem.
Escola - Espaço social que deve, legitimamente, transmitir os conhecimentos que para esse fim se legitimaram socialmente.
A relação que
os sujeitos estabelecem com o conhecimento escolar que deve ser transmitido é
uma instância importante, em que por um lado, se define a situação escolar e,
por outro, se constitui o próprio sujeito.
“A importância
dos conhecimentos escolares em relação ao sujeito reside em que eles são apresentados
como sendo os verdadeiros
conhecimentos, implicando uma certa autoridade, a partir da qual definem também
implicitamente o que não é conhecimento, e uma certa posição para o sujeito em
sua apropriação. Desse ponto de vista, os conhecimentos escolares delimitam o
legitimamente cognoscível a partir da experiência escolar.” (p. 20)
O que é a
escola e como a constitui e é constituído o sujeito? O problema do conhecimento
escolar e seu possível caráter alienante se apresenta como central.
ü
Evita-se a problematização dos conteúdos
escolares.
ü
Não se questiona.
O problema
educativo centrou-se no método – qual seria a melhor maneira de transmitir os
conteúdos?
Se o
conhecimento é relativo e implica uma determinada construção social da
realidade, é necessário analisar como isso ocorre especificamente na escola:
“O objeto de
estudo dessa pesquisa é o conhecimento escolar que se apresenta em classe.
Analisou-se ao nível de classe por que um critério básico é o estudo do
conhecimento escolar como este efetivamente se apresenta na prática escolar, ou
seja, como é construído ou reconstruído pelos sujeitos em suas práticas. O
resultado disso é o que os sujeitos vivem como conhecimento. É esse
conhecimento, e não o que está colocado nos programas, o que interessa
descrever, ou seja, o conhecimento em sua existência social, dadas determinadas
mediações institucionais. Mais especificamente, trata-se de descrever a
existência material do conhecimento em classe: como é transmitida e apresentada
pelo professor e como os próprios alunos participam da construção.” (p. 22-23)
Cada uma das
estratégias ou formas de ensino modifica o sentido do conhecimento transmitido.
A forma de
conhecimento está constituída por duas dimensões: a lógica do conteúdo e a
lógica da interação. O estudo apresenta três formas de conhecimento presentes
no estudo:
Conhecimento tópico
|
“(...) está construída
analogicamente como a configuração espacial da realidade como espaço (topos), simbolizada mais por meio de
termos que de conceitos.” (p. 23)
Ensino – ênfase na correta associação entre termos e lugar (topos) numa determinada
sequência.
Aluno – repetição da correta
associação entre termo e o lugar que ocupa num esquema.
|
Conhecimento como operação
|
“(...) um conjunto de operações
para obter resultados no interior de um mesmo sistema de conhecimentos.” (p.
23)
Ensino – aplicação do
conhecimento, baseada numa lógica dedutiva.
Aluno – correta aplicação do
conhecimento.
|
Conhecimento situacional
|
“(...) um conjunto construído
em torno do que uma realidade é para um sujeito, a que chamamos de situação.” (p. 23)
Ensino – ênfase está colocada
antes na significação de uma realidade para o sujeito e nos usos e valorações
sociais do que em definições abstratas.
Aluno – pede-se que pense em
determinado recorte da realidade que se apresenta e que procure sua posição
ou ponto de vista em relação a ela.
|
No estudo, a
forma de conhecimento como operação mostrou ser a que se apresenta com mais
frequência.
O professor é
considerado como “aquele que faz a ponte entre os alunos e o conhecimento;
tanto porque faz uma reelaboração específica do conteúdo que apresenta, como
porque representa a autoridade do conhecimento escolar.” (p. 24)
A forma de
conhecimento tópico e a de operação dão origem a uma relação de exterioridade
do conhecimento diante do sujeito (alienação no conhecimento). Na forma de
conhecimento situacional é permitida uma relação de maior interioridade ente o
sujeito e o conhecimento na medida em que se solicita àquele que se aproprie do
conhecimento a partir do modo como o significa.
I.
Os sujeitos e a constituição da
situação escolar
Objetivo
– descrever como os alunos e os professores participam da constituição da
situação escolar.
“Nosso
enfoque principal é o aluno. No entanto, na escola não há aluno sem outros
alunos e principalmente sem professores. Nem estes nem aqueles estão já
constituídos em papéis rigidamente
definidos quando se encontram e interagem na escola. Ambos se constituem na
relação que estabelecem.” (p. 30)
A. Elementos estruturantes e a mediação dos
sujeitos na situação escolar
“Entre os elementos pelos quais passa a
mediação do professor na definição da situação escolar encontra-se, antes de
mais nada, o modo como ele define e utiliza o espaço e o tempo escolar.” (p.
30)
Espaço e tempo
– Elementos estruturantes
Por que nos
ocupamos da análise do espaço e do tempo escolar?
ü
Por considerarmos que o espaço em que se realiza
a atividade escolar é uma ordenação estruturada da realidade, em que adquirem
significado as relações que ali se estabelecem.
“A disposição
física da sala de aula contém uma mensagem implícita sobre as valorações das
relações professor-aluno, e portanto também da relação com o conhecimento.
Analisar o espaço e seus usos é interpretar as práticas educativas também como
um elemento simbólico que silenciosamente estrutura e dá sentido às múltiplas
atividades que ocorrem em seu interior.” (p. 31)
“O tempo cumpre
um papel simbólico similar. Os tempo que se destina, a diversas atividades, os
cortes no tempo e o modo de utilizá-lo vão estruturando significações específicas
que cruzam as práticas ali desenvolvidas.” (p. 31)
“Em suma,
podemos dizer que o espaço e o tempo como elementos estruturantes têm duplo
sentido: funcionam como meios coercitivos ou permissivos no ato educativo, mas,
por outro lado, não são suficientes para definir em si mesma a relação com o
conhecimento nem a relação entre professor e alunos. Como veremos ao longo
desse estudo, essas relações estão definidas pela forma do conhecimento que se
apresenta e pela lógica da interação.” (p. 32)
B. Professores e uso do tempo e do espaço
“Mesmo num
processo educativo organizado sob a ideia de pedagogia ativa como este, o papel do professor é central, e é o que lhe dá o
caráter de professor.” (p. 36)
Em uma situação...
“São os alunos
que interrompem a professora para fazer perguntas sobre o conteúdo, e não o
contrário, como é a tendência que observamos na turma da Escola. O tempo é
manejado em grande parte pelas crianças. Este é interno à tarefa, ou seja,
acaba quando a tarefa termina. Não é fixado externamente (dentro do âmbito de
duas horas e meia diárias). São as crianças que interrompem o tempo da
professora. Ou seja, manejam uma parte importante de um dos elementos
estruturantes da realidade da sala de aula – o tempo.” (p. 37)
“(...) é
importante assinalar que a professora não tem um lugar privilegiado que a
diferencie perante as crianças. Seu uso do espaço não a coloca num lugar
central, referente único e principal para todos os alunos.” (p. 38)
“(...) esses
elementos que estruturam a situação na classe permitem, ao mesmo tempo, a
expressão das singularidades dos sujeitos que nela interagem.” (p. 38)
ü
Manejo interno do espaço e do tempo segundo as
necessidades inerentes à tarefa, que permite a expressão das singularidades e
da heterogeneidade em seu uso.
Em outra
situação...
“O tempo que
está obrigatoriamente destinado ao aprendizado é controlado pelo professor, os
alunos devem se sujeitar ao ritmo que o professor impõe. Para eles é algo
determinado externamente, e em geral está marcado pela pressa, pela rapidez. O
que se objetiva nessa situação é que o tempo é algo homogêneo, ou seja, deve
ser o mesmo para todos.” (p. 42)
ü
Manejo do tempo e do espaço antes como uma
determinação externa que é imposta à tarefa, circunscrevendo-a. O tempo e o
espaço são considerados como algo homogêneo, igual para todas as crianças, o
que supõe necessidades iguais no processo de apropriação de conhecimentos e
respostas iguais.
C.
O
outro. Afazeres dos alunos
Aumento
do ruído na sala – “violência” ou “desordem”
“A
violência é uma das formas através das quais os alunos se relacionam. A
agressão entre eles não é excepcional, faz parte da vida cotidiana na sala de
aula. Trabalho escolar e violência marcam o ritmo da aula e aparecem como equivalentes
nesta situação.” (p. 43)
“A
violência que se expressa na sala faz parte de um modo de ser, é uma forma de
comunicação entre os alunos.” (p. 44)
Socialização secundária - interação constante entre os alunos, mesmo
quando fazem a tarefa escolar. “Compartilham opiniões e conhecimentos sobre o
mundo que os rodeia e sobre eles mesmos. Geram uma visão de mundo compartilhada
que vai constituindo seu senso comum. Ao encontrar-se numa situação comum
utilizam uma linguagem particular carregada de subentendidos e de evocações de
situações.” (p. 48)
“Suas
opiniões, suas conceituações acerca de determinada situação, seus comentários
fazem parte da geração de conhecimentos que têm lugar na escola sobre conteúdos
que não tem relação direta com os conteúdos escolares. Essa socialização entre
colegas constitui um espaço importante do processo de ensino e aprendizagem que
ocorre na escola, e nos mostra como o processo de apropriação de conhecimentos
dos sujeitos envolvidos na situação escolar é social e permanente.” (p. 48-49)
“Ambas as atitudes que esse evento indica –
pedir tarefa e insistir em fazer sozinho o exercício – denotam uma relação de
auto-regulação dos alunos com o trabalho. Os alunos não tomam essas iniciativas
por encontrar-se sob o controle da professora; elas são geradas autonomamente,
no interesse particular deles pelo trabalho.” (p. 54)
“Estes
(sujeitos alunos) fazem parte de um processo de construção que é prévio à
escola, que a ultrapassa, e que está integrado pelo que os sujeitos vivem e
pensam dentro e fora dela. Tal processo de construção está organizado a partir
do sujeito e está diversamente motivado, por necessidades que às vezes são só
de conhecer e que nem sempre são pragmáticas. Às vezes é uma tentativa de
explicar uma situação juntamente com outros. Essas tentativas de explicação,
essas tentativas de visões do mundo que vão se confrontando com outras,
constituem os conhecimentos que o grupo constrói. Cada grupo social pode
produzir conhecimentos específicos relacionados à situação que compartilham, e
que ao mesmo tempo estão formados pelos conhecimentos genéricos da humanidade,
transmitidos de um modo específico em cada situação.” (p. 55)
“Os
conhecimentos que esses sujeitos constroem são complexos, e com frequência
mostram a apropriação de um conhecimento socialmente construído, em seu próprio
meio social; ao mesmo tempo, constituem o modo pelo qual eles problematizam e
explicam a si mesmos seu mundo.” (p. 56)
“Fazer
uma pergunta supõe um conjunto de conhecimentos que tornam possível formulá-la,
ou seja, uma pergunta é uma síntese de conhecimentos postos num momento dado em
determinada direção. Nesse sentido, quem pergunta de certo modo antecipa uma
resposta. Um sujeito interroga o mundo ao interpretá-lo e, ao fazê-lo, está construindo
conhecimentos. (...) O sujeito conhece seu mundo através das questões que lhe
formula, e estas são possíveis pelos conhecimentos prévios, que participam de
modo muito diverso da constituição da pergunta: de alguns se tem consciência e
de outros não, alguns são argumentações racionais completas e outras são evocações, fragmentos, lembranças, etc. Esse
processo de construção de conhecimentos, que supera e inclui a escola, é um
processo eminentemente social, se faz sempre com outros, que formam o mundo para o sujeito; ao mesmo tempo, é uma
atividade inerente ao sujeito, por ser através dela que se constitui como tal.”
(p. 58-59)
ü
A construção de conhecimentos dos sujeitos se dá
em suas interações informais ou espontâneas entre si e com o seu mundo.
“O sujeito
constrói e reconstrói – tal como faz no mundo em geral – o conhecimento que lhe
é apresentado na escola. Como vimos, esse conhecimento é reelaborado pelo
sujeito ao relacionar-se com ele, a partir de seu próprio universo de
significações. Nesse sentido podemos dizer que entre o que se ensina e o que se
aprende existe uma incógnita, constituída pelos múltiplos processos de
apropriação que cada sujeito realiza. Nenhum conhecimento tem um ponto de
partida absoluto, já que o conhecer supõe fazê-lo a partir de outros
conhecimentos. Por isso, entre outras coisas, cada aluno faz uma reelaboração
singular do conteúdo, cada qual o interpreta e constrói segundo seus conhecimentos.”
(p. 62)
Os alunos
participam constituindo a situação escolar por intermédio de várias dimensões:
- Através das formas de comunicação, verbal e não-verbal, que se desdobram constantemente na sala de aula. A violência é uma forma de comunicação não-verbal; é uma forma de comunicação legitima e vital, que implica contato físico e expressão das emoções. O relax é uma forma de comunicação lúdica verbal. Revela os interesses, as preocupações, o senso comum dos sujeitos que, ao confrontá-los, geram visões de mundo compartilhadas.
- Os sujeitos às vezes constroem suas relações entre si e com a tarefa independentemente da presença ou das prescrições da professora. Essa autonomia se expressa de modo especial no que temos descrito como trabalho escolar (os alunos encaram a tarefa como um trâmite, como uma série de coisas que é preciso fazer para poder passar ao que realmente importa, como por exemplo, o recreio), ajuda mútua (ajuda gratuita, não há nenhuma prescrição nem exigência de fazê-lo, não há prêmio nem castigo, envolver-se na tarefa do outro e ensinar-se mutuamente) e acusar-se (pedido que as crianças fazem à professora para que intervenha em suas ações, recurso formal porque as crianças já resolveram o conflito no momento de acusar). As crianças se relacionam segundo seus próprios interesses, assumem a tarefa como um empreendimento próprio, ajudam-se entre si na tarefa, tal como trocam conhecimentos sobre conteúdos não-escolares por iniciativa própria; e estabelecem uma ordem em suas relações, gerada por eles mesmos.
- A atividade cotidiana das crianças está perpassada pelo que chamamos de construção de conhecimentos. Processo de construção que é prévio à escola, que a ultrapassa e que está integrado por aquilo que os sujeitos vivem e pensam dentro e fora dela. Conhecimentos denominados da vida cotidiana, que não se referem apenas ao uso do mundo, mas também à explicação do mundo, e que vão conformando os conhecimentos que um grupo constrói são formados pelos conhecimentos específicos relacionados com a situação que compartilham e pelos conhecimentos genéricos da humanidade. Os conhecimentos que as crianças constroem são complexos. A construção de tais conhecimentos se dá mediante a atividade de questionamento que o sujeito faz de seu mundo, a partir de uma síntese particular dos conhecimentos prévios que o sujeito articula num momento dado em determinada direção. Esse processo social ocorre com outros sujeitos, mas também é um processo singular (cada aluno reelabora os conteúdos acadêmicos, a partir de sua própria singularidade – sujeito sempre ativo e construtor de sua relação com o mundo).
II.
Relação dos sujeitos com o
conhecimento
Um dos
elementos mais importantes na constituição do dia-a-dia escolar é o
conhecimento que ali se transmite. Esse conhecimento se constitui pelo uso dos
programas e livros escolares e pelo conjunto não-homogêneo de práticas que
tanto docentes como outros constituem em sua relação.
“Os conteúdos
acadêmicos são apresentados como verdadeiros e, e nesse sentido, pode-se dizer
que transmitem visões de mundo
autorizadas (com autoridade), as quais constituem o terreno em que os
sujeitos realizam suas apropriações, seja aceitando, rejeitando ou construindo
conhecimentos. A importância da relação dos sujeitos com os conteúdos escolares
reside, justamente, em que estes são apresentados como os verdadeiros conhecimentos implicando uma certa autoridade por meio
da qual, por sua vez, definem implicitamente o que não é conhecimento válido. É
por força da legitimidade dos conteúdos acadêmicos transmitidos que se torna
difícil, tanto a professora como a alunos, identificar como conhecimento válido
seus próprios conhecimentos marginais, também sempre presentes na sala de aula.
” (p. 67-68)
“(...) o lugar
onde o conhecimento se transforma numa particular explicação da realidade é o sujeito,
essa concreção, portanto, não é estável, homogênea, unívoca para toda situação
escolar. A transformação (mudança de forma) do conhecimento tem relação com a
história dos professores, como professores e como mulheres e homens; e com a
história dos alunos no mesmo sentido; histórias que se colocam em jogo na
lógica de interação na sala de aula.” (p. 68)
“Os
conhecimentos escolares adquirem existência social concreta através de uma
série de mediações. Em primeiro lugar, são um recorte e ordenamento particular
da realidade, fruto de várias mediações institucionais que se realizam por uma
série de decisões e discriminações, sobre um conjunto específico de
conhecimentos pretensamente científicos, do que a escola deve transmitir, i.e.,
daqueles conhecimentos incluídos nos planos e programas.” (p. 68)
O conteúdo se
transforma na forma – o conteúdo não é independente da forma pelo qual é
apresentado. A forma tem significados que se agregam ao conteúdo transmitido,
produzindo-se uma síntese, um novo conteúdo. A forma como se apresenta os
conteúdos, afeta seu significado; eles são reelaborados por professores e
alunos em cada ocasião (são reelaborados ao serem transmitidos, a partir da
história dos professores e de sua intenção de torná-los acessíveis aos alunos.
Do mesmo mofo, são reelaborados também pelos alunos a partir de suas histórias
e suas tentativas de aprender a lição.
Como resultado,
e ao contrário do que se supõe, na escola se realizam várias formas de
conhecimento: conhecimento tópico, conhecimento como operação, conhecimento
situacional.
Duas formas de
relação com o conhecimento: relação de exterioridade e relação de
interioridade:
- “Produz-se uma relação de exterioridade quando o sujeito deve relacionar-se com um conhecimento, que lhe parece problemático ou inacessível. Nesses momentos o sujeito requer pistas que lhe deem acesso à resposta certa, processo que se toma por uma apropriação do conteúdo explícito na lição, produzindo uma simulação da apropriação do conteúdo que deixa o sujeito em posição de exterioridade.” (P. 72)
- “Produz-se uma relação de interioridade com o conhecimento quando o sujeito pode estabelecer uma relação significativa com ele. Isso se produz quando o conhecimento que se apresenta inclui e interroga o sujeito. Este deve, então, referir-se a si mesmo, deve procurar seu ponto de vista. O sujeito se apropria de um conteúdo que requer sua (do sujeito) elaboração.” (p. 72) A relação se torna significativa, ou seja, com valor intrínseco para o sujeito.
Sujeito
Professor – aquele que faz a mediação entre o conhecimento e os alunos, em dois
sentidos: por um lado, aquele que faz uma reelaboração particular do
conhecimento que apresenta aos alunos e, por outro, aquele que representa a
autoridade do conhecimento escolar.
Diferentes formas
de conhecimento...
v
Conhecimento
tópico
Forma de
conhecimento orientada para a identificação tópica
da realidade. Trata-se sempre de dados que não admitem ambiguidades e que podem
ser nomeados com precisão.
Tópico – relativo a lugar; que se refere direta e precisamente àquilo que se trata.
A ênfase está
colocada antes na nomeação correta do termo isolado do que em sua utilização em
determinada operação.
As respostas
são únicas, precisas, textuais. Essa forma de conhecimento fixa formas precisas
de respostas, já que representam a realidade conformada por elementos
abstratos, com uma localização fixa no espaço. Excluir a explicitação da
elaboração dos alunos é constitutivo dessa forma de conhecimento, ou seja,
nega-se nos fatos a existência de tal elaboração.
Nesta forma de
conhecimento o que se enfatiza é a localização espacial de partes que têm um nome específico. A apropriação
consiste, então, em poder recordar e nomear as partes numa determinada ordem.
As perguntas não admitem a explicitação das elaborações pessoais que os alunos
podem estar fazendo. Para responder não é preciso fazer relações nem aplicar
conhecimentos, apenas lembrar e nomear termos numa determinada ordem
(ordenamento de lugares).
“A forma de
conhecimento que denominamos tópica estrutura-se como um ordenamento abstrato
de lugares, em que o próprio conteúdo perde sentido em função da forma. Esse
tipo de conhecimento apresenta o paradoxo de que, presumindo dar conta do todo
– ou o que denominamos pretensão de delimitar todo o saber sobre um tema –,
fragmenta a realidade. Dela dá-se conta utilizando termos com relações de
contiguidade no espaço, no qual se situam os elementos do todo.” (p. 80)
v
Conhecimento
como operação
Essa forma de
conhecimento se apresenta, preferencialmente, como a aplicação de um
conhecimento geral altamente formalizado a casos mais específicos. Baseado numa
lógica dedutiva, o eixo estruturante de seu raciocínio é o seguinte: conhecidas
certas caraterísticas gerais, estas podem ser aplicadas a situações específicas
para se obter um produto (de conhecimento).
No ensino, a
ênfase é posta na apreensão da forma, da estrutura abstrata, independentemente
do conteúdo. O conhecimento, então, se apresenta como mecanismos e instrumentos
que permitem pensar. É em função desse objetivo que a presente forma de
conhecimento se introduz como essencialmente oposta a memorização; reconhecer,
portanto, significa a utilização correta de mecanismos e instrumentos. A ênfase
na replicabilidade resulta, por exemplo, nos repetidos exercícios a que os
alunos são submetidos – aplicação eficiente e rápida.
Aplicação de
perguntas-chave para se obter um resultado. A ênfase está posta na rapidez e
segurança das respostas. Isso supõe a apropriação por parte dos alunos, desses
pares relacionados e sua rápida associação durante a lição, na forma de
estímulo-resposta. Os alunos estão impelidos a pensar nesses termos pare ter
êxito; isso implica deixar de lado as elaborações próprias que o próprio
conteúdo pode provocar.
Tem-se a intenção
de permitir o aluno pensar; apresenta-se sob o lema do raciocínio versus a memorização.
“A lógica do
conteúdo é muito formal e abstrata, e a da interação, insuficiente.” (p. 93)
v
Conhecimento
situacional
Interesse de
conhecer – no sentido inteligível – uma situação. Entendemos por situação uma
realidade que se cria em torno da presença de um sujeito. A situação faz
referência a um conjunto de relações a partir do sujeito, e o envolve nelas.
O aluno é posto
diante de uma situação, diante de um conjunto de elementos relacionados a
partir do sujeito, que apresenta uma realidade de algum modo conhecida para
este e no qual se ligam e articulam novos conhecimentos – relação entre um
conceito abstrato e uma realidade cotidiana.
A significação
é o eixo central, então, a resposta não é única. A ênfase é colocada na
elaboração do aluno.
Valor
intrínseco para o sujeito aluno – permite a este situar-se no mundo ou
situar-se diante do mundo. Transita do conceitual ao pessoal.
“(...) entre o
que se ensina e o que se aprende está o vasto e desconhecido processo de
apropriação do transmitido que cada sujeito realiza a partir de seu universo de
significações pessoal e coletivo.” (p. 105)
Concluindo
1. Relação com
o conhecimento tópico. Quando o conhecimento vem a ser algo alheio
- Relação de exterioridade ou alheia ao sujeito;
- Perguntas unidirecionais – é apenas o professor que as faz ou quem marca a dinâmica e a direção da relação;
- O conhecimento é textualizado e saber significa lembrar do modo exato.
- Lógica: o fato de que o professor diga o conteúdo será suficiente para que seja aprendido pelos alunos; porque o ouvem dizer, ou porque algum dos alunos o diz. Supõe-se que a soma de respostas ditas conformam o conhecimento que todos têm. O que importa é que o conteúdo fique dito, por quem quer que seja (professor ou aluno).
- Relação linear e contínua entre ensino e aprendizagem – Supõe-se que o que se ensina se aprende;
- O importante é a versão que o professor tem do conteúdo;
- Aluno – contemplação de uma ordem já estabelecida e apresentada como verdadeira; apreender uma ordem externa e a reproduzi-la.
2. Relação com
o conhecimento como operação. Quando o conhecimento de qualquer modo vem a ser
algo alheio
- A lógica de ensino é a de que os alunos raciocinem, pensem por si mesmos, ultrapassem a repetição ou a memorização – o pedido para que pensem é um discurso abstrato, não tem significado para os alunos;
- Relação com o conhecimento mecânica, exterior e bem-sucedida;
- Operar com o conhecimento não supõe, de modo evidente, a construção dele pelo sujeito;
- Coerção para subscrever uma lógica exterior a ele de modo imediato e irreflexivo, implicando a constituição de um sujeito aparentemente racional.
3. Relação com
o conhecimento situacional. Quando o conhecimento se torna significativo
- Relação mais significativa entre o conhecimento e o sujeito, que o inclui e o interroga;
- O professor pede ao sujeito que se inclua, se interrogue e que faça pondo explicitamente em jogo seus conhecimentos anteriores;
- Valorização social dos conhecimentos;
- O professor expressa sua opinião como opinião e não como verdade, e, ainda que a opinião do professor tenha autoridade como verdade, esse modo de apresentá-la abre algum espaço para a elaboração do aluno;
- A relação do conhecimento e sua apropriação se dá também entre pares, e não só na relação professor-alunos;
“(...) o
conhecimento escolar é apropriado e significado numa relação social. Não é uma
coisa que se transmite inalterada: transforma-se em sua circulação. Os que o
transformam são os sujeitos.” (p. 124)
“Assim, a
escola, longe de ser um lugar de práticas homogêneas, se constitui, antes, como
um lugar de práticas contraditórias.” (p. 124)
“(...) o conhecimento
escolar é ressignificado pelos alunos nesse vasto e heterogêneo mundo de
valorações que são os conhecimentos marginais que eles estabelecem ou
reconstroem. Os sujeitos têm um modo singular de apropriar-se do conhecimento
que tem a ver com seus conhecimentos prévios e com as suas histórias; por isso
não se pode pretender uma relação linear entre o que se ensina e o que se
aprende” (p. 125) – singularidade da apropriação.
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